Prédio histórico do século XX que abrigou boate Arpege desaba em Natal
Antigo casarão está localizado no bairro da Ribeira, região tombada pelo Iphan.
Por Bruno Vital e Douglas Lemos, G1 RN e Inter TV Cabugi
Edifício fica na Rua Chile — Foto: Lucas Cortez/Inter TV Cabugi
Uma antiga construção histórica de Natal desabou na madrugada de
domingo (21), na Rua Chile, no bairro da Ribeira. O imóvel, construído
por volta de 1904, que abrigou um armazém e uma casa noturna, já havia
sido interditado pela Defesa Civil e ainda tem risco de desabamento em
outra parte da estrutura.
O casarão é do século XX e chegou a abrigar o armazém Secos e Molhados.
Depois, foi sede de uma gráfica. No andar de cima, até a década de
1990, foi palco da casa noturna "Arpege". O prédio histórico também já
serviu de cenário para gravação dos filmes "For All - O Trampolim da
Vitória" e "O Homem que Desafiou o Diabo".
Segundo a Defesa Civil, no momento do desabamento não havia ninguém no
local. O casarão fica na travessa Venezuela que faz esquina com a Rua
Chile. Em 2008, a estrutura sofreu desgastes por causa de fortes chuvas
que caíram em Natal e foi interditada.
Estrutura foi construída na primeira metade do século XX — Foto: Lucas Cortez/Inter TV Cabugi
"Mais uma vez, mais um prédio está indo embora sem que a gente possa
preservar nossa história arquitetônica para as gerações futuras. Nossos
netos não poderão ter acesso a isso, só através de fotografias. Imploro
para quem possa ser, para que tenha um olhar diferente para a Ribeira,
para o canto do mangue, essa área que é um corredor histórico da nossa
cidade. É triste ter que acompanhar isso", diz o guia turístico Marcos
Antônio da Silva.
A estrutura pode desabar completamente, segundo a Defesa Civil. Um cone
e faixas de sinalização foram colocados para indicar o risco de mais
desabamentos na região. A Ribeira e a Cidade Alta são bairros históricos
de Natal tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan).
As regiões fazem parte do conjunto arquitetônico, urbanístico e
paisagístico de Natal. O tombamento ocorreu em 2010, mas desde então a
área não passou por ações de revitalização. O Iphan informou que
acompanha a situação da estrutura e que fará uma vistoria "a fim de
tomar as providências necessárias e competentes à instituição".
"É com muita tristeza que eu estou agora justamente para registrar esse
abandono, neste período em que estamos prestes a um novo plano diretor
da cidade. Sou a favor da modernidade, de atualização das construções da
cidade, mas que haja um olhar por parte dos gestores para a nossa
arquitetura e prédios históricos antigos, como esse aqui que
desmoronou", detalha Marcos Antônio da Silva, guia de turismo de Natal.
O Iphan disse ainda que concluiu em maio deste ano "os estudos
preliminares para licitar os serviços de consolidação e estabilização do
imóvel para evitar um iminente arruinamento".
Um cone foi colocado na região para alertar sobre o risco de novos desabamentos — Foto: Lucas Cortez/Inter TV Cabugi
Histórico
De acordo com o professor e historiador Bruce Lee, o casarão também
conhecido pelo nome de Edifício Galhardo foi construído no início do
século XX, por volta de 1904, por uma família de alemães. Nos primeiros
anos, o prédio funcionou sob o nome de "Armazém Secos e Molhados".
Em 1941, o empresário Nestor Galhardo adquiriu o edifício e montou uma
gráfica no pavimento térreo da construção. No andar superior, Galhardo
abriu uma casa noturna durante a Segunda Guerra Mundial e a batizou de
Arpège que foi gerenciada por Rosita, amante de Galhardo. O local passou
a ser ponto de encontro da boemia potiguar.
A história é contada na tese de mestrado de do arquiteto e urbanista
Gilmar de Siqueira Costa, especialista em Restauração e Conservação de
Monumentos e Conjuntos Históricos e mestre em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Segundo os
historiadores, o famoso cabaré teria recebido dois visitantes ilustres
na década de 1940: os presidentes Franklin Roosevelt (EUA) e Getúlio
Vargas.
Após a morte de Nestor Galhardo, o neto dele assumiu a administração
dos negócios do edifício que continuou funcionando como gráfica e boate.
Os negócios foram fechados na década de 1990.
"A propriedade foi adquirida pela empresária carioca Paula Homburger,
que investiu acreditando no projeto de revitalização da Ribeira. O
objetivo era construir um restaurante no local onde por muitos anos
funcionou o cabaré, porém a ideia não deu certo por uma série de motivos
estruturais, burocráticos e financeiros", afirma o historiador Bruce
Lee.
"Resta apenas lamentar o descaso das autoridades quanto a nossa riqueza
patrimonial, o pouco interesse dos potiguares e natalenses pela sua
linda e relevante história, bem como a míope visão dos empresários
locais quanto ao potencial econômico da Ribeira, enquanto nicho
turístico atrativo para bares, restaurantes e hotéis", completa o
professor e historiador.
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